O que mais tem por aí é gente de pequenos poderes. Alguém que ganhou um crachá, um chapéu, uma chave, um balcão para se por atrás e aí, bum, se enche de poderes. Eles sabem que os poderes são pequenos, mas fingem que são bem grandões. São efêmeros também, além de pequenos. Saiu dali, tirou o crachá, o chapéu, deixou o balcão, puft, acabou o poder. O pequeno poder.
Dia desses encontrei um sujeito de pequenos poderes. É algo fácil de identificar. Gente de pequenos poderes tem uma determinada expressão. Um ar blasé de quem te vê como um inseto incômodo. Eles fazem cara de quem tem grandes poderes, já reparou? Coisa que quem realmente tem grandes poderes normalmente não faz. Já vi muita gente de grandes poderes que tem uma cara tranquila, relaxada. Mas o pessoal dos pequenos poderes não, parece que tem indigestão constante. E estão constipados. É comum serem tristes também.
Então, como eu dizia, dia desses encontrei um desses de pequenos poderes, o PP. Vamos chamá-lo assim, PP, de pequenos poderes. Foi bastante desagradável o PP. Era um rapaz. Baixinho, baixinho. Eu sou baixa e ele era mais baixo que eu. Gente pequena com pequenos poderes. Nossa, esses são um perigo. Compensam a falta de estatura abusando do papel de PP. Tinha as mãos pequenas e um tom de voz baixo (melhor, PP que grita é dose de aturar). Branquinho, branquinho. Um pálido meio morto-vivo. Meio esverdeado. Me olhou com bastante desprezo, e foi logo me acusando de não ter o que deveria ter (eu tinha), de estar onde não deveria estar (eu estava exatamente onde deveria).
Dei bom dia, com sorriso e tudo, não respondeu. Pensei “iiiiih, esse aí é daqueles”. E era. Nesse dia eu tinha na bolsa, além de celular, livro e carteira, minha paciência de Jó. Porque olha, vai por mim, se você decidir confrontar esse pessoal de pequenos poderes, você vai perder. Eles têm pequenos poderes, mas provavelmente têm naquele momento, só ali, naquela situação, mais poder do que você. Você é o cara do nenhum poder, e ele é o cara do pequeno poder. Percebe?
Voltando ao baixinho branquinho de mãos e poderes pequenos, ele foi logo ameaçando que eu não conseguiria fazer o que tinha ido fazer ali. Ele nem sabia o que era. Típico. Adivinhos é que não são, só gostam de falar muitos nãos que é pra você se sentir desesperançoso. Se conseguirem fazer você ir embora e parar de amolar, melhor. Mostrei uma pasta cheia de exatamente aquilo que eu precisava para aquilo que eu queria. Sorrindo. Não esqueça, sorriso e PJ (paciência de Jó). PP olhou a pasta, com certo desdém, mas olhou. Concluiu que não tinha onde encrencar, então, depois daquela humilhada prazeirosa, que faz todo PP se sentir GP (grandes poderes), PP me mandou sentar e esperar. Agradeci. Com sorriso. Sorriso e PJ pro PP achar que é GP e você conseguir o que precisa e sair dali. Sem dignidade, mas com aquilo que você precisa, que às vezes, é o que importa, certo?
Pensa assim: os PPs são um ótimo exercício de humildade. Não vale a pena peitar um PP. Seja humilde. Deixa o PP achar que é GP. O que é que tem? O que muda na sua vida? Você vai embora com tudo resolvido, e de quebra fez alguém feliz. Às vezes a única alegria daquela pessoa ali é brincar de ser GP sendo PP. Pô, deixa ela! Deixe o ego em casa, leve bastante PJ, capricha no sorriso e seja feliz. Deixa o PP lá. No fundo ele sabe que é um PP, tadinho. Pensa que frustração.
Neste dia, eu saí feliz por ter conseguido o que precisava, mesmo tendo que passar pelo crivo do PP baixinho, branquinho, de mãozinhas de T-Rex. Eu fui embora tomar sorvete de menta com chocolate. Ele ficou ali, o dia todo bancando o GP. Pensa que cansativo. Dia após dia se fazendo passar por algo que você não é.
Perto da porta da rua olhei para o pequenino PP, que me olhou de volta. Eu sorri até expor o último molar e bradei um “bom dia e obrigada” que chegou aos a 50 decibéis. Ali os pequenos poderes de PP não tinham mais validade, eu já conseguira o que precisava (percebe, a inversão de papéis? Delícia). PP faltou espumar pela boca. Eu livre, e ele ali, atrás do balcão, preso no papel de PP por mais um dia.
Da próxima vez que você se deparar com um PP, não se irrite. Não deixe a pequenez do PP tirar você do sério. Seja legal com o PP, mesmo que ele não seja legal com você. Seja você um GP, mas não de grandes poderes, de Grande Pessoa.