COOL

Iris Apfel 1                                                                    Iris Apfel. Cool.

Eu queria ser cool. Mas cool de verdade. Não como essas pessoas que tentam ser cool, ou que se auto-intitulam cool. Cool mesmo, naturalmente cool. O melhor tipo de cool que há.

Gente cool de verdade não faz o menor esforço para ser cool. Tudo que elas fazem é cool. Todas as fotos que elas tiram são cool. Suas selfies são cool, qualquer penteado fica cool. Gente cool faz voluntariado na África, surfa na Indonésia, tem casa no litoral, tá sempre bronzeada, esquia, escala pedra vertical. Gente cool tem Golden Retriever cool com nome super cool. Tipo Tequila. Gente cool recicla lixo, tem horta vertical na parede da varanda. Usa gíria bonita, fala vários idiomas, já foi para o Havaí. Gente cool faz Ioga no deck de madeira da praia. Gente cool não fuma, e se fuma, fuma de maneira cool. Gente cool usa cada óculos escuros, já reparou? Gente cool tá sempre usando a moda da estação passada e parece muito mais cool que o pessoal usando essa moda de agora. Gente cool é legal com todo mundo, simpáticos, sorriem o tempo todo. E os dentes? Sempre lindos, alinhados e brancos.

Eu acho que as pessoas cool nascem cool. Coolismo não é algo que se aprende. Você pode até parecer cool depois de anos de observação, mas se não nasceu cool, meu amigo, minha amiga, esquece. Aliás eu diria que coolismo é hereditário. Gente cool só se junta com gente cool e faz filho cool. Já viu criança cool? Não tem nada mais cool. Se bem que quando gente cool adota uma criança, porque gente cool adota, pode apostar: vai ser cool.

Pensando aqui, existe uma categoria de ex-cools, né? Tem gente que já foi muito cool mas quando envelheceu, perdeu o coolismo completamente. Por exemplo, Axl Rose. O vocalista do Guns N’ Roses era muito cool. Hoje já não sei não. Esse Axl não se parece com aquele Axl. Outro dia vi uma foto e pensei “nããão!”.

Tem também os eternos cools. Quer ver quem sempre foi cool e continua sendo? Rita Lee. Uma vida inteira de coolismo, hoje aos 71 é a coroa mais cool que eu já vi. Keith Richards. O cara usa lápis de olho. Até hoje. Aos 75 anos. Quantos homens dão conta de usar lápis preto no olho aos 75 anos? Cool demais. Clint Eastwood. Desnecessário explicar.

Me resta uma esperança: ser uma velhinha cool. Já tenho tudo esquematizado. Colares, brincos, anéis, óculos, roupas, amigos, casa, tudo muito cool. Atitude e estilo de dar inveja a muita blogueira de 20 e poucos. Nem sei se daqui a uns 40 anos ainda vai ter isso de blogueira, mas substituirei o conceito de acordo.

Idoso cool não necessariamente foi cool a vida toda. Tem um pessoal que não era cool e virou cool depois de velho, não tem? Não me ocorre nenhum agora na verdade. Pena. Ou não. Quando eu for coroa posso ser tão cool, mas tão cool, que serei a mais nova mais velha pessoa cool! Olha aí, super cool.

GANCHO

Gancho para bolsa

Tem coisas que são básicas, fundamentais para a vida, por exemplo: água. Sol. Amigos, natureza, ar, comida e ganchos. Sim, ganchos.

Por que alguém monta um banheiro, num bar, cinema, aeroporto, shopping, restaurante, etc, com vaso, pia, espelho, porta, enfeitinhos inúteis pelas paredes e não coloca ali um gancho? Mais especificamente, vamos focar na problemática envolvendo o cubículo. Um simples gancho é capaz de transformar mágica e drasticamente os minutos passados dentro de um cubículo de banheiro público.

Eu não poderia dissertar com precisão sobre a experiência dos rapazes e quais desafios eles encontram, mas posso falar por nós, moçoilas, que diante do chamado da natureza temos que fazer xixi num banheiro público. Em nome de todas nós, mulheres, àqueles que projetam e/ou executam os banheiros por aí, eu vos suplico: coloquem ganchos.

Um ganchinho que seja. Um. Custa? Pode ser daqueles de plástico que são colados na parede com uma fita dupla face. Pode ser um pedaço de arame improvisado, um prego assim meio torto espetado no reboco, mas por favor, coloquem ganchos.

Já é difícil pra chuchu para nós mulheres, fazermos um simples xixi enquanto temos que nos equilibrar sobre nossas nem sempre musculosas coxas, numa posição esdrúxula que é aquele meio termo entre cócoras e semi agachamento, dentro de um cubículo que muitas vezes mede menos que 1×1, cercadas por famigeradas e quase sempre xexelentas divisórias revestidas de fórmica ou feitas de placas grossas de granito cinza e branco. Exigir que nós, além de todo este dificílimo equilibrismo meticuloso, ainda tenhamos que segurar nossa bolsa, já é demais.

Sabia que mulheres pelo mundo a fora, de diferentes origens, culturas, credos e religiões, fazem xixi exatamente da mesma forma? Quando num ambiente onde um vacilo pode significar uma contaminação de proporções catastróficas ou letais, nós mulheres automaticamente dobramos os joelhos num ângulo específico que pode variar de acordo com os fatores peso e altura, posicionamos os cotovelos ou as mãos num determinado ponto das nossas coxas que foi evidentemente desenvolvido para este fim, e encostamos totalmente a planta de ambos os pés no chão de forma a nos proporcionar equilíbrio perfeito e segurança.

Fica a critério de cada uma o que fazer com o pescoço e a cabeça. A medida que ficamos mais experientes, nos tornamos capazes de alterar a ordem de todos os elementos descritos acima sem desviar o fluxo nem comprometer o resultado da missão.

Este ritual, este, do xixi feminino em banheiros públicos, é passado de geração em geração, é um balé, uma arte. Requer prática e habilidade que alcançam níveis de excelência poucas vezes vistos.

Permanecer nesta posição pelo período de tempo que nos é imposto pelo volume contido no reservatório, com a bolsa no chão (argh!) ou pendurada no pescoço, ou erguida num movimento digno de Cirque du Soleil por um dos braços ou até mesmo – conforme testemunho de uma companheira que não quer se identificar – apoiada no lombo, só não é o cúmulo do embaraço porque ninguém pode nos ver. Na maioria dos casos. Creio eu.

Devo dizer que muitas vezes somos salvas pela maçaneta. Mas desde que inventaram os trincos esta manobra vem minguando. Aquele delicado ferrolho de metal porcaria não suportaria nem um fio de nossos fabulosos cabelos, quem dirá o peso de nossas bolsas. Nossa criatividade já nos possibilitou diversas formas de inovação. Por exemplo, prender a bolsa na quina da porta, no espaço entre a dobradiça e o painel lateral do cubículo. Até mesmo o suporte de papel, dependendo do seu design e do tamanho da bolsa, pode servir como cabideiro. Já soube de mulheres que levam consigo o próprio gancho. Este é um problema comum à todas nós e as soluções encontradas ali, na hora do aperto, surpreenderiam o mais astuto engenheiro da Nasa.

Pode apostar que a primeira coisa que uma mulher, portando bolsas ou similares, faz quando vai ao banheiro é arquitetar rapidamente um plano de suporte para seus pertences que seja seguro e minimamente higiênico. Percebe? Como tudo seria tão mais simples se ali, naquele claustrofóbico toalete houvesse um elementar, o quê? Gancho!

E dizem que mulher é bicho complicado.

MULHER, VENHA VOCÊ TAMBÉM!

meninas no supermercado

Hoje eu acordei sentindo um negócio por dentro, uma força oculta que brotou no meu âmago. Mas olha, eu sentia aquilo na boca do estômago, na garganta. Acordei com uma necessidade extrema de fazer mais. Fazer mais pela sociedade sabe? Pelo meu país. Parei para pensar o quanto eu estava contribuindo com o mundo, e envergonhei-me diante da minha constatação.

Decidida então, levantei da cama, realizei algumas tarefas em casa, claro, e fui contribuir para a história, fui fazer a diferença.

Eu fui ao supermercado.

Por que é ali, avaliando a alta dos preços do pimentão, do Veja, do feijão carioca, que eu conseguirei promover a mudança. É ali, perambulando por todos aqueles corredores de piso liso e brilhante, subindo e descendo aquelas esteiras rolantes, conduzindo aquele empoderador carrinho quadrado de rodinhas vacilantes, que eu, mulher, participarei ativamente da economia do meu país.

E eu as convoco para esta mudança! Venham, minhas semelhantes, amigas, irmãs, fazer parte deste movimento! Venham cumprir com os seus papéis! Venham! Juntem-se a mim e outras centenas de mulheres na incrível jornada em busca do equilíbrio do orçamento doméstico!

E digo mais: chega! Chega dessa história de estudar, chega dessa história de batalhar por um lugar ao sol, palhaçada esse negócio de provar coisas o tempo todo! Provar competência, provar capacidade, provar coragem, merecimento. Pra quê? Por quê?

O que é isso de querer mais, de querer liberdade, independência? Representatividade, oportunidade, poder, respeito. Respeito? Ora, faça-me o favor! Parô com isso de querer ter sucesso, hein? E chance de se sobressair, de querer igualdade. Ai, para! Como pode isso agora de querer dividir funções de forma igualitária?

Gente, o que é que nós estamos fazendo? Ao invés de participar ativamente da economia avaliando a flutuação dos preços dos alimentos e produtos de limpeza a gente quer entrar no mercado de trabalho ocupar cargos de chefia e receber salários equivalentes às nossas atividades profissionais e iguais aos dos colegas que fazem a mesma coisa que nós? Mas onde é que estamos com a cabeça?!

Eu gostaria muito de dizer que esta iniciativa partiu de mim. Mas devo ser sincera e creditar esta minha eureca, esta minha iluminação ao líder político do meu país (eu não coloquei ele ali mas ele apareceu ali, é homem, é líder, deve estar certo, não sei, aparentemente não faz parte do meu papel avaliar isso, então eu não me meto, sabe?) mas tudo isso me ocorreu neste último dia 8 de março, quando ele me motivou de maneira extraordinária através de seu mais do que atual discurso a respeito do nosso – meu e de vocês, migas –  Dia Internacional.

Por isso, sinto-me obrigada, na condição de mulher do século 21 que sou, a chamá-las de volta para a nossa verdadeira função! Juntas seremos mais fortes! Seremos quase 106 milhões de mulheres unidas, contribuindo com a economia dentro dos supermercados em todo o país. Tragam as suas filhas para elas já irem entendendo desde cedo a importância de seu papel fundamental na sociedade!

Nem seremos capazes de entender a extensão desta contribuição. Mas não se preocupem, sempre haverá alguém competente para dimensionar este impacto, eu eu tenho certeza que ele compartilhará conosco estes resultados!

Vamos fazer mais pelos nossos filhos! Pelo nosso lar! Pelo futuro! Venham! Não temos nada a Temer!

Aliás, ‘minina’, que vergonha os preços do tomate. Vocês viram?

CURTINHA: HORTELÃ

Depois de muito tempo solteira e mais tempo ainda distante das artes do flerte e da paquera, naquela quinta-feira, Maria Julia estava inspirada. Confiante. Cheia de energia. Alto astral mesmo.

Arrumou-se indefectivelmente e foi a um bar descolado da cidade unir-se a um pequeno grupo de amigos. Entre o segundo e o terceiro drink elaborado, colorido, cheio de frutas, gelo e folhas de hortelã, Maria Julia decidiu circular sozinha por entre as mesas do bar e o pessoal animado da pista de dança.

Envolta na atmosfera descontraída, embalada pela música, encantada pela beleza e resplandecência dos frequentadores do bar charmosinho, Maria Julia sorria. Sorria para os que passavam, sorria para os garçons, sorria para os rapazes sentados no balcão, sorria até para os músicos da banda que tocavam hits do momento sobre um pequeno palco central.

Maria Julia sentia-se iluminada. Todos olhavam para ela. Todos notavam seu sorriso largo. Alguns retribuíam o gesto com entusiasmo, sorrindo-lhe de volta. Os rapazes que não sorriam encaravam-na estupefatos.

Satisfeita e maravilhada, Maria Julia retornou à mesa, para a companhia dos amigos com o sorriso ainda estampado no rosto, como se ele estivesse preso em cada uma de suas orelhas.

Lucinha, amiga de Maria Julia desde os tempos mais remotos, aproximou-se com discrição, e chegando bem perto de seu ouvido sussurrou:

– Amiga, tem uma hortelã gigante no seu dente!