COOKIE

cookies

Foi a primeira vez que eu precisei usar aquele saquinho de emergência do avião. Sabe aquele saquinho? Que fica no bolsão da poltrona a sua frente, para, digamos, emergências? Então, esse.

Entrei no avião e logo acomodei-me na minha poltrona na janela. Anos viajando a trabalho duas vezes por mês me encheram de manias, como por exemplo voar sempre do lado direito e na poltrona F. De preferência na 24. 24F. Psicoses à parte, observava distraída os funcionários do aeroporto finalizarem os procedimentos de solo, circulando como formiguinhas atarefadas em torno do avião, quando ao guardar o celular encontrei um cookie na minha bolsa.

No dia anterior, enquanto me aventurava pelas ruas do centro de Curitiba, deparei-me com um café esquisitíssimo. Parecia um daqueles saloons que a gente vê em filme de velho oeste americano, com um ar meio assombrado, meio abandonado. Parei em frente para pensar se deveria mesmo entrar, quando de lá de dentro saiu um grupo de jovens barulhentos e animados. Me senti encorajada e entrei. Ali tomei um delicioso espresso duplo e comi um pão de queijo. Um cookie cheio de bolas gigantes de chocolates assobiou para mim. Só sei que o tal do cookie foi parar na minha bolsa, pernoitando ali discretamente até ser redescoberto na poltrona 24F do voo Curitiba São Paulo.

Aquela hora não poderia ser mais apropriada para encontrar um cookie de chocolate. Foi como encontrar R$100 no bolso de um casaco quando se está muito sem grana. O voo era num horário estapafúrdio, comer uma guloseima fora de hora parecia uma ideia fabulosamente fabulosa.

Dei uma dentada caprichada no cookie. Digna de nota. As enormes gotas de chocolate, embora amanhecidas, pularam do biscoito direto para as minhas papilas gustativas, me levando a fechar os olhos involuntariamente, tal deleitosa sensação de prazer. Mastiguei, mastiguei e concluí que o cookie era muito doce. Bom, mas muito, muito doce.

Não deu tempo de o cérebro processar a informação “pare de comer agora, alerta de doce extremo, alerta de doce extremo” e meus braços levaram o biscoito, cujo invólucro, um papel engordurado, encontrava-se quase totalmente destruído, diretamente para a minha boca. Mais uma dentada que só não acabou completamente com o disco açucarado pois aquilo era realmente um super cookie.

Mastiguei, já meio de má vontade, o que agora deixara de ser um saboroso cookie e tornara-se uma bola de açúcar União. Nesse meio tempo o avião já havia decolado e provavelmente sobrevoava Registro. Todos os passageiros em silêncio, aquele voo tranquilo e eu ali com aquele treco soltando farelo pra tudo que é lado, as mãos completamente engorduradas, fazendo um esforço enorme para engolir aquela última e fatal mordida que eu dera de forma tão imprudente.

Só sei que lá por Juquitiba aquilo foi me embrulhando, me embrulhando, não duvido que eu estivesse ficando esverdeada. Permanecia imóvel em meu assento para evitar arremessar migalhas no distinto senhor que estava ao meu lado, mas ia ficando cada vez mais desesperada sem ter aonde por aquele cookie cujo cheiro melado me embrulhava mais e mais. A comissária mais próxima estava ocupada com o serviço de bordo relâmpago da ponte aérea, não podia pedir ajuda a ninguém.

Estava chegando no limite quando avistei, penduradinho próximo aos meus joelhos, o saquinho plástico na cor branco celestial. Nele estava escrito em azul: “feel better” e havia uma carinha sorrindo logo abaixo. Que amável aquele saquinho! Um salvador! Não tive dúvidas, passei para a mão esquerda as migalhas que equilibrava na direita, entrelacei os dedos de modo a segurar o que restava do papel engordurado com um pedaço remanescente daquele biscoito do capeta e inclinei o corpo ligeiramente para frente, o suficiente para agarrar o saquinho providencial que facilmente soltou-se do elástico frouxo do bolsão do encosto da cadeira da frente.

O homem elegante que estava ao lado me olhou de soslaio. Pude sentir a vibração de seu pânico vindo em minha direção, ele usava um elegante paletó azul petróleo de veludo.

Os cinco dedos da minha mão direita, a única disponível, multiplicaram-se por 3 quando não sei como, consegui abrir a boca do saquinho plástico. Nessa altura a moça sentada no corredor ao lado do homem de paletó e a moça do corredor da outra fileira já assistiam a cena com expressões desafortunadas. Ágil, muito ágil, descarreguei tudo no saquinho branco.

Tudo. Foi a embalagem de papel, foi o último pedaço do cookie, foram as migalhas, o guardanapo amassado, uns pedaços do biscoito que já estavam escapando por entre os dedos, tudo. Tudo o que tinha nas mãos. Tudo aquilo de que desejei tanto me livrar. Deu até para usar a mão direita para dar uma “varridinha” na palma da mão esquerda e me livrar de todo e qualquer vestígio daquele cookie asqueroso e de seu cheiro enjoativo. Assobiando, fechei o saquinho que estava elegantemente apoiado sobre minhas pernas com o cordão que existe ali para este propósito e respirei aliviada. Respiraram aliviados também o paletó azul petróleo de veludo, o homem elegante e as moças do corredor.

Foi parar de sentir aquele cheiro nauseante que já comecei a voltar ao normal. A comissária agora aproximava-se com seu carrinho metálico, oferecia para os passageiros um pacotinho com sabe-se lá o que dentro, aquilo é uma loteria. Eu queria mesmo era água. Um copão de água gelada. Fiquei animada quando ela finalmente dirigiu-se a mim. Antes mesmo que eu pudesse transmitir-lhe meu desejo, ela sorriu roboticamente e disse:

Cookie senhora?

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